Heterogeneidade cultural
O papel da terceira idade tem mudado ao longo dos tempos. Na antiguidade, aos mais velhos era atribuído um papel fulcral na sociedade: dar continuidade no tempo a valores e padrões de comportamento que se repetiam por força de serem lembrados e (re)contados às gerações mais novas. O respeito pela experiência acumulada era valorizado por ser considerado fundamental à sobrevivência de cada indivíduo e à possibilidade de prolongamento num tempo mais futuro. Era o tempo em que os velhos eram reconhecidos e assumiam funções de conselheiros, curandeiros, sábios e feiticeiros. Inspiravam respeito, preservando a memória e a lembrança, relembrando lendas, crenças e mitos de heróis e salvadores.
Há sociedades e culturas que vêem os seus anciões como alguém a respeitar, repleto de conhecimento e sabedoria. Infelizmente, a sociedade em que vivemos privilegia a exclusão social das pessoas mais velhas, sendo dolorosa e desumana a maneira como muitas pessoas idosas acabam por ficar completamente desligadas da sociedade, após tantos anos a viverem e contribuírem para a mesma. As próprias afirmam sentir-se completamente rejeitadas pela sociedade, como se de objectos inúteis se tratassem. Após terem uma vida cheia em vários sentidos, de repente, sentem-se invadidas por um profundo vazio.
Não há dúvida de que o Homem sempre se preocupou com o envelhecimento, sendo este encarado de várias maneiras. Alguns caracterizam-no como uma diminuição geral das capacidades, outros consideram-no um período de crescente vulnerabilidade e de cada vez maior dependência. Outros, ainda, veneram a velhice como o ponto mais alto da sabedoria, bom senso e serenidade. Cada uma destas atitudes corresponde a uma verdade parcial, mas nenhuma representa a verdade total.
Existem certas culturas onde a velhice é venerada com respeito e admiração, como o Japão, o país mais envelhecido do Mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas. De facto, desde 1947 que neste país é assinalado o “Dia de Respeito ao Idoso” (Keira no hi), na terceira segunda-feira de Setembro, tendo esta data sido considerada dia feriado em 1966.
Da mesma forma, na China, o objectivo dos homens era alcançar a “longa vida”, sendo que os mais velhos eram respeitados e bem tratados, esperando-se ansiosamente esta etapa da vida. Também neste país se comemora a festa Chong Yang, no dia 9 de Setembro, conhecida como “festa dos idosos”. Esta é uma celebração que, segundo documentos históricos, começou há 2500 anos.
O mesmo se passa em África, principalmente no seio das sociedades primitivas. Em países em que a esperança média de vida é baixa, o respeito ao idoso está ligado à visão cíclica da vida, e a velhice, diferentemente do que ocorre no mundo ocidental, é uma fase privilegiada e almejada por todos. Quando morre um africano idoso, é como se se queimasse uma biblioteca. A sociedade tradicional africana tem uma cultura iletrada: o idoso, com a sabedoria adquirida nos seus longos anos de vida, torna-se o transmissor dos valores da cultura tradicional herdada dos seus antepassados.
O mesmo acontece com a etnia cigana, onde os idosos são merecedores da mais alta estima e respeito. Eles são vistos e tratados como os detentores da sabedoria e os seus conselhos são ouvidos por todos. As pessoas idosas são responsáveis pela transmissão oral dos ensinamentos e tradições, são consideradas as mais sábias, são o passado vivo. Manda a tradição que os mais novos lhes beijem as mãos em sinal de respeito.
Nas sociedades pré-históricas, onde o desconhecimento da escrita colocava na memória dos sobreviventes ao tempo a transmissão do conhecimento, o reconhecimento como sábio era mais fácil. Era adquirido pelo acumulado de experiências e conhecimentos, não sendo necessariamente decorrente da inteligência, espírito inventivo ou outro, que não estivesse associado à idade biológica.
A ambiguidade de opiniões relativamente à velhice fez-se sentir no Egipto, onde uns a viam como um valor sagrado, de grande prestígio, enquanto outros diziam ser uma etapa triste da vida, reduzida a perdas e que conduzia à debilidade. Verificava-se, assim, a valorização da convivência entre os mais velhos e os mais novos de forma a travar o envelhecimento.
Em Israel, os judeus respeitavam os mais velhos, sendo que, legalmente, a velhice era valorizada e maltratar o progenitor era considerado um crime gravíssimo. Os Incas e os Astecas tinham uma atitude semelhante, apreciando o conhecimento, a destreza e a experiência que as pessoas idosas detinham, existindo, inclusive, lendas e fábulas onde os idosos eram glorificados.
Na Antiguidade, o valor dado aos idosos variava muito de acordo com os rituais impostos pela tribo a que pertenciam, bem como consoante as condições sócio-económicas. Alguns índios da Califórnia estrangulavam-nos, outros abandonavam-nos nas estradas. Nas ilhas Fiji, os idosos suicidavam-se, por acreditarem já não ter qualquer utilidade, ou então eram enterrados vivos, tal como acontecia entre os Dincas. Alguns índios da África do Sul conduziam os idosos até uma cabana com água e comida, onde eram abandonados.
Na Grécia do século III e IV a.C., o Sistema Gerontocrático via nos mais velhos a solução para o Governo, associando a idade à sabedoria. O reconhecimento social, assente na idade biológica, ia também buscar argumentos à esperança média de vida humana que raramente ultrapassava os 20 anos de idade. Sobreviver aos anos, ser velho, era por si só um feito notável que contribuía significativamente para a veneração dos anciões. No entanto, também na Grécia, em séculos posteriores, eram visíveis atitudes como a gerontofobia. Por outras palavras, esta etapa da vida era interpretada como uma forma de castigo divino, sendo, por isso, considerada uma catástrofe. Poucos eram os que não partilhavam desta opinião.
Em Roma, e segundo a máxima de Cícero, “os jovens para a acção, os velhos para o conselho”, o poder do ancião no senado era o que permitia a estabilidade social. Desta forma, os idosos tinham um papel importante na sociedade, estando bem integrados na comunidade.
Já a Idade Média não se caracterizava por uma única visão em relação à velhice. Enquanto se valorizava o vigor físico, os idosos eram excluídos da vida pública. Entretanto, os que detinham poder económico adquiriram uma posição prestigiada a nível familiar, social, cultural e económico. Esta posição manteve-se até que, no Renascimento, o corpo humano foi comparado a uma máquina, sujeita ao tempo e à decadência. Consequentemente, a velhice foi transformada num objecto de medo e de repulsa.
Até ao século XVIII, a associação da sabedoria a uma maior probabilidade de reprodução e continuidade no tempo preservou os mais velhos de qualquer tipo de descriminação. Foi na passagem para o século XIX que o envelhecimento passou a ser sinónimo de degeneração e decadência. Estava em curso a revolução industrial, centrada em valores de produtividade, exploração da força motora e consumismo. Valorizava-se a inovação, o conhecimento novo e rejeitavam-se as lendas, os ritos e os tabus. Os velhos, sem qualquer potencial evolutivo e produtivo, passaram a ocupar um lugar marginalizado. O património familiar e a experiência acumulada deixaram de ter valor para uma sociedade centrada em aspectos económicos. Após a revolução industrial, apenas os idosos inseridos em sociedades tradicionais e agrícolas tinham uma posição vantajosa. Os que viviam nas cidades viram-se substituídos por máquinas, o que levou ao declínio do seu estatuto social.
No século XIX, as experiências e conhecimentos de um número cada vez maior de indivíduos mais velhos já não contribuíam decisivamente para o equilíbrio e organização social. Assim, na era industrial e pós-industrial, a chamada “terceira idade” começou a ser desvalorizada. No século XX a esperança média de vida duplicou, de 40 para cerca de 80 anos, na maioria dos países desenvolvidos, mantendo-se baixa em vários países africanos, como é o caso da Serra Leoa (38 anos). Deste modo, na segunda metade do século XX, assiste-se à valorização da terceira idade, não baseada na longevidade, mas em movimentos sociais que apelavam à sua segurança e participação no circuito de bens e riquezas sócio-culturais.
Todavia, na actualidade ocidental, os idosos passam por inúmeras situações de desprezo e abandono, culminando com a exclusão social dos mesmos, pelo facto de ainda serem considerados improdutivos por uma grande parcela da sociedade. As alterações físicas e psicológicas a que estão sujeitas as pessoas idosas levam também à sua desvalorização, podendo resultar na sua expulsão do mercado de trabalho e na sua associação a estereótipos. No entanto, é de reconhecer o esforço de inúmeras entidades em valorizar a experiência e o conhecimento das populações seniores, o que possibilita que, hoje em dia, se recomece a enaltecer a sabedoria adquirida ao longo da vida.
Torna-se, assim, evidente que as atitudes para com a velhice variam consoante as épocas e os grupos socioculturais. A velhice pode ser encarada como o apogeu da vida, mas há também quem a veja como um período de decadência e, por isso, a rejeite.
Nas civilizações primitivas, as pessoas idosas pertencentes a comunidades nómadas eram vistas como um estorvo à sobrevivência dos outros e, por isso, acabavam por ser abandonadas. Contudo, depois da sedentarização, ocorreu a diferenciação social, o que permitiu aos idosos assumir um estatuto social de destaque, pois eram considerados sábios, já que eram eles quem transmitia a tradição.
Em última análise, conclui-se que o valor atribuído ao idoso depende do que a sociedade necessita ou prefere em dado momento. Desta forma, a interpretação da velhice como uma etapa desejada ou rejeitada está sujeita aos valores que a comunidade em que estamos inseridos defende.
Há sociedades e culturas que vêem os seus anciões como alguém a respeitar, repleto de conhecimento e sabedoria. Infelizmente, a sociedade em que vivemos privilegia a exclusão social das pessoas mais velhas, sendo dolorosa e desumana a maneira como muitas pessoas idosas acabam por ficar completamente desligadas da sociedade, após tantos anos a viverem e contribuírem para a mesma. As próprias afirmam sentir-se completamente rejeitadas pela sociedade, como se de objectos inúteis se tratassem. Após terem uma vida cheia em vários sentidos, de repente, sentem-se invadidas por um profundo vazio.
Não há dúvida de que o Homem sempre se preocupou com o envelhecimento, sendo este encarado de várias maneiras. Alguns caracterizam-no como uma diminuição geral das capacidades, outros consideram-no um período de crescente vulnerabilidade e de cada vez maior dependência. Outros, ainda, veneram a velhice como o ponto mais alto da sabedoria, bom senso e serenidade. Cada uma destas atitudes corresponde a uma verdade parcial, mas nenhuma representa a verdade total.
Existem certas culturas onde a velhice é venerada com respeito e admiração, como o Japão, o país mais envelhecido do Mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas. De facto, desde 1947 que neste país é assinalado o “Dia de Respeito ao Idoso” (Keira no hi), na terceira segunda-feira de Setembro, tendo esta data sido considerada dia feriado em 1966.
Da mesma forma, na China, o objectivo dos homens era alcançar a “longa vida”, sendo que os mais velhos eram respeitados e bem tratados, esperando-se ansiosamente esta etapa da vida. Também neste país se comemora a festa Chong Yang, no dia 9 de Setembro, conhecida como “festa dos idosos”. Esta é uma celebração que, segundo documentos históricos, começou há 2500 anos.
O mesmo se passa em África, principalmente no seio das sociedades primitivas. Em países em que a esperança média de vida é baixa, o respeito ao idoso está ligado à visão cíclica da vida, e a velhice, diferentemente do que ocorre no mundo ocidental, é uma fase privilegiada e almejada por todos. Quando morre um africano idoso, é como se se queimasse uma biblioteca. A sociedade tradicional africana tem uma cultura iletrada: o idoso, com a sabedoria adquirida nos seus longos anos de vida, torna-se o transmissor dos valores da cultura tradicional herdada dos seus antepassados.
O mesmo acontece com a etnia cigana, onde os idosos são merecedores da mais alta estima e respeito. Eles são vistos e tratados como os detentores da sabedoria e os seus conselhos são ouvidos por todos. As pessoas idosas são responsáveis pela transmissão oral dos ensinamentos e tradições, são consideradas as mais sábias, são o passado vivo. Manda a tradição que os mais novos lhes beijem as mãos em sinal de respeito.
Nas sociedades pré-históricas, onde o desconhecimento da escrita colocava na memória dos sobreviventes ao tempo a transmissão do conhecimento, o reconhecimento como sábio era mais fácil. Era adquirido pelo acumulado de experiências e conhecimentos, não sendo necessariamente decorrente da inteligência, espírito inventivo ou outro, que não estivesse associado à idade biológica.
A ambiguidade de opiniões relativamente à velhice fez-se sentir no Egipto, onde uns a viam como um valor sagrado, de grande prestígio, enquanto outros diziam ser uma etapa triste da vida, reduzida a perdas e que conduzia à debilidade. Verificava-se, assim, a valorização da convivência entre os mais velhos e os mais novos de forma a travar o envelhecimento.
Em Israel, os judeus respeitavam os mais velhos, sendo que, legalmente, a velhice era valorizada e maltratar o progenitor era considerado um crime gravíssimo. Os Incas e os Astecas tinham uma atitude semelhante, apreciando o conhecimento, a destreza e a experiência que as pessoas idosas detinham, existindo, inclusive, lendas e fábulas onde os idosos eram glorificados.
Na Antiguidade, o valor dado aos idosos variava muito de acordo com os rituais impostos pela tribo a que pertenciam, bem como consoante as condições sócio-económicas. Alguns índios da Califórnia estrangulavam-nos, outros abandonavam-nos nas estradas. Nas ilhas Fiji, os idosos suicidavam-se, por acreditarem já não ter qualquer utilidade, ou então eram enterrados vivos, tal como acontecia entre os Dincas. Alguns índios da África do Sul conduziam os idosos até uma cabana com água e comida, onde eram abandonados.
Na Grécia do século III e IV a.C., o Sistema Gerontocrático via nos mais velhos a solução para o Governo, associando a idade à sabedoria. O reconhecimento social, assente na idade biológica, ia também buscar argumentos à esperança média de vida humana que raramente ultrapassava os 20 anos de idade. Sobreviver aos anos, ser velho, era por si só um feito notável que contribuía significativamente para a veneração dos anciões. No entanto, também na Grécia, em séculos posteriores, eram visíveis atitudes como a gerontofobia. Por outras palavras, esta etapa da vida era interpretada como uma forma de castigo divino, sendo, por isso, considerada uma catástrofe. Poucos eram os que não partilhavam desta opinião.
Em Roma, e segundo a máxima de Cícero, “os jovens para a acção, os velhos para o conselho”, o poder do ancião no senado era o que permitia a estabilidade social. Desta forma, os idosos tinham um papel importante na sociedade, estando bem integrados na comunidade.
Já a Idade Média não se caracterizava por uma única visão em relação à velhice. Enquanto se valorizava o vigor físico, os idosos eram excluídos da vida pública. Entretanto, os que detinham poder económico adquiriram uma posição prestigiada a nível familiar, social, cultural e económico. Esta posição manteve-se até que, no Renascimento, o corpo humano foi comparado a uma máquina, sujeita ao tempo e à decadência. Consequentemente, a velhice foi transformada num objecto de medo e de repulsa.
Até ao século XVIII, a associação da sabedoria a uma maior probabilidade de reprodução e continuidade no tempo preservou os mais velhos de qualquer tipo de descriminação. Foi na passagem para o século XIX que o envelhecimento passou a ser sinónimo de degeneração e decadência. Estava em curso a revolução industrial, centrada em valores de produtividade, exploração da força motora e consumismo. Valorizava-se a inovação, o conhecimento novo e rejeitavam-se as lendas, os ritos e os tabus. Os velhos, sem qualquer potencial evolutivo e produtivo, passaram a ocupar um lugar marginalizado. O património familiar e a experiência acumulada deixaram de ter valor para uma sociedade centrada em aspectos económicos. Após a revolução industrial, apenas os idosos inseridos em sociedades tradicionais e agrícolas tinham uma posição vantajosa. Os que viviam nas cidades viram-se substituídos por máquinas, o que levou ao declínio do seu estatuto social.
No século XIX, as experiências e conhecimentos de um número cada vez maior de indivíduos mais velhos já não contribuíam decisivamente para o equilíbrio e organização social. Assim, na era industrial e pós-industrial, a chamada “terceira idade” começou a ser desvalorizada. No século XX a esperança média de vida duplicou, de 40 para cerca de 80 anos, na maioria dos países desenvolvidos, mantendo-se baixa em vários países africanos, como é o caso da Serra Leoa (38 anos). Deste modo, na segunda metade do século XX, assiste-se à valorização da terceira idade, não baseada na longevidade, mas em movimentos sociais que apelavam à sua segurança e participação no circuito de bens e riquezas sócio-culturais.
Todavia, na actualidade ocidental, os idosos passam por inúmeras situações de desprezo e abandono, culminando com a exclusão social dos mesmos, pelo facto de ainda serem considerados improdutivos por uma grande parcela da sociedade. As alterações físicas e psicológicas a que estão sujeitas as pessoas idosas levam também à sua desvalorização, podendo resultar na sua expulsão do mercado de trabalho e na sua associação a estereótipos. No entanto, é de reconhecer o esforço de inúmeras entidades em valorizar a experiência e o conhecimento das populações seniores, o que possibilita que, hoje em dia, se recomece a enaltecer a sabedoria adquirida ao longo da vida.
Torna-se, assim, evidente que as atitudes para com a velhice variam consoante as épocas e os grupos socioculturais. A velhice pode ser encarada como o apogeu da vida, mas há também quem a veja como um período de decadência e, por isso, a rejeite.
Nas civilizações primitivas, as pessoas idosas pertencentes a comunidades nómadas eram vistas como um estorvo à sobrevivência dos outros e, por isso, acabavam por ser abandonadas. Contudo, depois da sedentarização, ocorreu a diferenciação social, o que permitiu aos idosos assumir um estatuto social de destaque, pois eram considerados sábios, já que eram eles quem transmitia a tradição.
Em última análise, conclui-se que o valor atribuído ao idoso depende do que a sociedade necessita ou prefere em dado momento. Desta forma, a interpretação da velhice como uma etapa desejada ou rejeitada está sujeita aos valores que a comunidade em que estamos inseridos defende.